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2.4.2 A fotopintura digital


O povoado do Sítio Camará é composto por várias casas espalhadas no caminho. Para chegarmos à casa do bisavô de Mara, pegamos o carro e seguimos numa estrada de terra cheia de voltas. De vez em quando, aparecia uma casa com um grande jardim e, aos poucos, essas habitações foram se condensando numa pequena vila. Nessa pequena concentração, havia cerca de seis casas, todas próximas umas das outras com grandes árvores que compunham um círculo comunitário. A terra batida e varrida demonstrava o cuidado daqueles moradores. Mara afirmou que ali moravam vários de seus familiares, entre tias e primos. Seguimos juntas no caminho de areia batida até a casa de seu bisavô. Ao estacionar meu carro, avistei de longe um senhor sentado na varanda de sua casa, Mara afirmou com alegria que se tratava do seu bisavô. O senhor Marino estava bem sentado, olhando o movimento da estrada. Um homem calmo e que aparentava ser bem cuidado. Ele parecia não ter clareza dos acontecimentos, pois perguntou diversas vezes como Mara estava. Mara entrou na casa e perguntou sobre a sua cuidadora. Ele respondeu que não sabia ao certo, mas achava que ela estava na vizinha. Ele aparentava ter saúde física. Com roupas bem limpas e chapéu preto de feltro, tinha um olhar profundo de quem olhava e analisava ao mesmo tempo.


Com a ajuda de sua bisneta, eu havia conseguido sua confiança. Por curiosidade, perguntei a sua idade e ele me disse que não tinha certeza, mas achava que era uns sessenta anos. Mara deu uma grande gargalhada e disse que era noventa e cinco. Seu Marino não aparentava aquela idade. Estava ali sentado, observando aquele lugar que o viu crescer, pois sempre morou ali no Sítio Camará.


Em sua fotografia antiga, ele estava com sua esposa, agora falecida. Uma espécie de colagem, pois no cenário se vê uma paisagem muito diferente com cachoeira e vegetação diferente da local. Ao realizar a polaroide, seu Marino nem se deu conta que era outra forma de fotografar. Olhou a imagem com indiferença. Tinha no rosto uma feição de plenitude e um leve sorriso presente nos seus lábios continuamente. Mara guardou a polaroide de seu bisavô na estante da sala e recolocou a fotografia do casal na parede central da casa. Despedimo-nos de Seu Marino e ele continuou observando o movimento do entorno de sua casa, sentado em sua cadeira de balanço.


Tive recordações de meu avô quando vi o senhor Marino. Meu avô costumava se vestir com aquele azul claro nas camisas e as calças marrom. Também tinha um chapéu de feltro preto. Pelos seus trajes e sua disposição, eu pensei que ele estava pronto para sair a qualquer momento. Mas Mara me afirmou que o seu bisavô estava recebendo cuidados e que não ficava mais sozinho, estava sempre com alguém.


Aquele azul me tocou profundamente, pois quando eu conheci o poeta Patativa do Assaré, ele também vestia azul e também me lembrei de meu avô naquela ocasião. Os senhores mais idosos no Nordeste tinham uma predileção por esta cor talvez. Camisas de algodão de manga longa e botões, de um azul clarinho. “Azul que é pura memória de algum lugar”, como descrita na música “Trem das cores” de Caetano Veloso.


A fotografia que coletei para o Recordatório era uma montagem inspirada na fotopintura. Podem-se perceber as sobreposições de camadas que entregam uma edição de imagens realizada por um programa de computador. Os dois rostos no primeiro plano, bem destacados, com seus nomes escritos em letras coloridas nos mostram que foi um trabalho de montagem digital. No primeiro momento, pensei que se travava realmente de uma fotopintura; depois observando com mais cuidado, vi suas diferenças.