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2.4.3 Na casa da avó


Saímos em direção da casa de sua avó, Dona Ana. Caminhamos mais alguns minutos e chegamos a uma casa grande com muito movimento. Várias crianças jogavam no quintal. Dona Ana, uma senhora muito simpática, estava sentada na varanda, penteando os cabelos de uma criança. Mara chegou e apresentou-me, então perguntei-lhe pela fotografia mais antiga da casa. A senhora sorriu e disse que não sabia ao certo. Mara prontificou-se e foi buscar uma fotografia da família. Ela trouxe uma fotografia de seu avô, que foi técnico e jogador de futebol por muitos anos, mas sua avó, Dona Ana, disse que a fotografia mais antiga não era aquela e sim uma da primeira comunhão de uma de suas filhas, trazendo-me a fotografia. Na casa de Dona Ana, havia várias crianças. As meninas brincavam de pular e correr, na maior animação. Ao perceberem minha câmera polaroide, a curiosidade ocupou o lugar da brincadeira e vieram todas para serem fotografadas. Todas eram bisnetas de Dona Ana. Ao colocarmos as imagens juntas, podemos observar o semblante de Dona Ana, que parecia mais feliz, cercada de suas bisnetas. As crianças ficaram maravilhadas com a “aparição” da imagem.


Depois da recepção festiva que as crianças fizeram com a polaroide, Dona Ana fez questão de me oferecer um pedaço de bolo de milho com café. Eu aceitei e entrei um pouco mais na casa. Havia netas, bisnetas, sobrinhos, filhos, irmãos, uma grande família e uma grande casa. Ao sair, uma das filhas de Dona Ana ainda admirava a polaroide recém-chegada. Agradeci a atenção e compreensão de Mara ao me acompanhar naquelas casas. Vi que estando com alguém que conhece a comunidade, a minha chegada era mais tranquila e sem receios. Porém, foi um fato isolado, pois ela se interessou em me ajudar e naquela pequena comunidade praticamente todos eram da mesma família. Nas outras casas em Mulungu, assim como em Olho d'Água, fiquei sozinha desbravando o encontro de casa em casa. Alguns foram mais solícitos que outros, mas em sua maioria, as questões que eu trazia eram preciosas e as aberturas foram raras.


Toda a comunidade do Sítio Camará pertencia a uma grande família. Ao adentrarmos nas residências mais distantes, encontramos os habitantes mais antigos: primos que se casam entre si, familiares que retornam a morar lá depois de casados ou aqueles que de lá nunca saíram. Muitas comunidades na região do Maciço de Baturité têm esta configuração familiar, onde literalmente todos são parentes. Ali, cercada de seus parentes, Dona Ana estava confortável e feliz. Na polaroide, podia-se ver sua alegria de estar com saúde, assim como os seus familiares.


Nessas pequenas comunidades, fica evidente uma energia coletiva agindo e animando seus integrantes. O terreiro bem varrido, a abundância de uma mesa simples, mas farta de carinho e afeto. O café fresco e o bolo de milho oferecido para as visitas que podem chegar a qualquer hora. Dona Ana não estava sozinha e se fortalecia com a presença dos seus familiares.


Nas duas imagens, Dona Ana aparece de forma distinta. É nessa personagem-chave daquela comunidade que eu gostaria de me deter em algumas reflexões. Na primeira imagem, Dona Ana aparece de forma tímida. Ao lado de seu marido e suas filhas. Sem sorriso e com um olhar direto, essa mulher se deixa fotografar sem criar personagens. É simplesmente ela, com suas dúvidas, receios, preocupações que a acompanham. Seu marido também não sorri e posa para a fotografia como se tivesse pressa de sair. Já as suas filhas estão felizes. Todas esboçam pequenos sorrisos e demonstram alegria de estarem sendo fotografadas. Sentem-se bem ao lado da proteção familiar. Numa realidade de muito trabalho e cuidado para sustentar uma família, o semblante de preocupação por parte dos pais ao dividir a complexa tarefa de serem responsáveis por uma família. Entre contas, estudos, brigas e conversas, a família vai seguindo seu destino. Essa imagem foi realizada numa igreja, onde podemos ver as colunas desenhadas e o altar de adoração. Era a primeira comunhão de uma de suas filhas, a menor que está com vestido de festa. Com as atenções voltadas para ela, seu semblante é de curiosidade e alegria. Uma foto familiar e que fala muito daquele lugar onde a religiosidade se faz presente constantemente com imagens e rituais.


Aquela imagem me foi trazida num álbum de fotografia muito simples e antigo. Não era um livro encadernado feito com aquele propósito, mas um simples álbum de revelação, com as páginas feitas em plástico para garantir a visualização das fotografias. Quando Dona Ana foi questionada sobre a fotografia mais antiga, não teve dúvidas daquela imagem. Pode-se ver, também, que a imagem tem danos em sua conservação e inicia seu processo de deterioração.


Já na polaroide que Dona Ana fez com suas bisnetas, sua alegria é quase palpável. Mais solta e contente, agora Dona Ana goza da felicidade de conviver com as crianças da família. Sentada e rodeada por suas meninas, ela transparece paz.