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2.1.1 A fotografia como um talismã


Lindete, que mora na Rua da Palha, ainda na comunidade do Olho d'Água dos Constantinos, em Redenção, foi a primeira a aceitar participar. Quando me aproximei de sua casa, bati palmas e aguardei aparecer alguém. Em poucos instantes, vi algumas crianças que se apressaram para a porta cheias de curiosidade. Apresentei-me e perguntei pela fotografia mais antiga daquela casa, se eu poderia ver. Lindete recebeu-me com certa curiosidade e me convidou para sentar e beber água. Era uma casa simples, pintada no exterior de um azul bem claro. Havia uma varanda que separava a entrada da casa e uma pequena mureta, onde tomei assento. Nossa conversa, que se iniciou sobre fotografia antiga, caminhou diretamente para sua lembrança do pai, senhor Luís Júlio, falecido sete anos antes. Também falamos das crianças, do cuidado da casa, sobre saudade e boas memórias de seu pai. Havia três crianças na casa: uma filha de Lindete quase adolescente, um bebê também seu filho e a filha de uma vizinha que estava por ali brincando. Ela me falou que a única fotografia que guardava era aquela de seu pai, que inclusive tinha sido referência para a produção do seu “santinho de sétimo dia”. Prontamente se levantou e foi buscar a fotografia de seu pai. A imagem estava na parede da sala. Havia uma pequena foto 3x4, também de seu pai, fixada no retrato emoldurado. Na pequena fotografia, pude perceber que eram imagens da mesma pessoa em épocas diferentes. Percebi os traços familiares no rosto de Lindete e de seu pai, o mesmo nariz e o mesmo sorriso. Ao me entregar a foto, ela o fez com muito cuidado e segurava a imagem com suas duas mãos. Depois de ver a fotografia, perguntei como faríamos a polaroide. Lindete não sabia do que se tratava e apontei um exemplo de fotografia polaroide. Ela achou engraçado e quis participar com as crianças. Aquele pequeno grupo se posicionou, todos bem próximos e percebi um terço que compunha a cena: amor, proteção e sorrisos. Foi o que levei deste encontro. Ao finalizar minha visita, observei o cuidado que Lindete teve ao recolocar o retrato de seu pai no mesmo lugar, na vista de quem entra na casa. Vi o respeito, a admiração de uma filha que dá continuidade ao seu amor através de uma fotografia. A fotografia do pai de Lindete estava em destaque na sua casa, na área central da entrada e com total visibilidade para aqueles que ali passavam. Aquela fotografia era tratada como algo muito precioso naquele ambiente. Amor, memória, afeto e família estavam cercando aquela imagem.


Finalizei aquela coleta com o coração mais reconfortado. Fui bem recebida e consegui minha primeira peça. Ainda fui a mais três casas, que não aceitaram participar, e finalizei a coleta naquele dia. Sentia-me cansada e depois refleti que aquele cansaço era da tensão de me expor em cada casa, de saber que minha coleta não seria tão fácil e que a fotografia move sentimentos potentes.